Leitores
atuais, tanto da Bíblia Hebraica quanto do Novo Testamento, geralmente ficam
surpresos por que a maior parte das imagens bíblicas sobre a vida eterna e a
ressurreição carrega um aspecto terreno e encarnado, em vez de etéreo. Para
compensar a lástima da morte, as Escrituras contrapõem promessas de uma vida
suntuosa, encarnada e tangível. A fria e escura ameaça da morte é oposta com
bênçãos tais como árvores frondosas crescendo no templo (Sl 52.8), correntes de
água viva (Sl 46), e nova vida sendo derramada por Deus, que se manifesta como
uma tempestade (Sl 29). Com a derrota da morte, surgem e prosperam experiências
de vida e vivência em família e comunidade. O surgimento da crença numa
ressurreição corpórea e física confirma e combina com esses símbolos e ideais
bíblicos anteriores.
Os diversos milagres de ressurreição dos mortos nos
Evangelhos (ver Mc 5.38-43; Lucas 7.11-17; Jo 11.38-44; Mt 27.52) não eram
motivo de estranheza para os primeiros seguidores de Jesus como o são para
muitos atualmente. Uma ressurreição iminente, no fim dos tempos, era uma
expectativa conhecida de alguns ramos apocalípticos do judaísmo, por volta do
tempo de Jesus. Só existem alguns poucos textos, produzidos na época de Jesus,
que são relevantes para o conceito de ressurreição, mas eles mostram que alguns
judeus do primeiro século criam que a história se acelerava para um clímax
messiânico, o que incluía a ressurreição dos mortos.
Pelo menos alguns judeus criam que a aparição do Messias
estava muito próxima, e viria anunciada por “sinais” (Is 61.1; Lc 4.18),
especialmente por ressurreições. Como evidência textual para essa visão temos
Isaías 26.19 (especialmente na Septuaginta), 4Q521 dos manuscritos do Mar
Morto, e um texto em Q[1] (ver Lc
7.22-23; Mt 11.4-5), que cita os mesmos sinais do Messias, incluindo
ressurreições, que aparecem em 4Q521. Não sabemos o quanto esses textos são
representativos, mas a menção da ressurreição em Q mostra que era considerada
presságio da vinda do Messias, mesmo fora de grupos estritamente apocalípticos.
Alguns estudiosos identificaram duas linhas de pensamento
no judaísmo posterior, separando judeus que afirmavam a ressurreição de judeus
que enfatizavam a sabedoria de viver. Este segundo grupo incluía os sábios
itinerantes que ensinavam um estilo de vida. Textos como Sabedoria de Salomão
2.1-3.9, em que o pensamento de ambos os grupos se misturam, mostram que o
judaísmo não era tão polarizado assim. Também se equivocam os estudiosos que
afirmam a falta do conceito de ressurreição em Q. O ponto de vista deles
tropeça em Q 13.28-30,[2] que tem o
banquete daquele que ressuscitou, e em Q 11.29-32, em que os mortos ressuscitam
no dia do julgamento.
Daniel 12.2 declara que Deus derrotará a morte (ver
também Is 25.7; 26.19) e ressuscitará a “muitos”. Essa passagem cativante se
tornou fundamental para a esperança da ressurreição messiânica de alguns
judeus. Alguns estudiosos dizem que “muitos” significa a ressurreição apenas de
alguns, mas, como no uso dessa palavra em Is 2.3, provavelmente é uma
referência a todos (ver Is 2.2). Apesar da aparência de muitos em
Is 53.11-12, o servo de Deus age em favor de todos (ver Is 53.6); Marcos
10.45 e 14.24 também usam o termo muitos, mas em outros textos Jesus dá
sua vida por todos (ver 1Tm 2.6).
Daniel 12.2, texto escrito no segundo século a.C., não é
o texto judaico mais antigo que fala de mortos ressuscitando. 1Enoque 27.1-4
reflete ideias judaicas ainda mais antigas sobre a ressurreição. Textos como Is
26.19, 53.11 e Sl 22.29 mostram que alguns em Israel, por volta do exílio
babilônico, provavelmente já criam na ressurreição do corpo. Mesmo antes disso,
mais de uma divindade do antigo Oriente Próximo reivindicou ter poder sobre a
morte, e o Deus bíblico declarou que tal poder pertencia somente a ele (Dt
32.39; 1Sm 2.6; 1Rs 17.17-24, 2Rs 4.18-36; 2Rs 13.20-21). Deus até mesmo ressuscita
uma pessoa em território sidônio, ou seja, na “casa” do deus Baal (1Rs 17.8-24).
O biblista Jon D. Levenson pesquisou detalhadamente como
a esperança explícita por uma ressurreição de todos, no fim da história, surgiu
naturalmente das profundas raízes da Escritura. De acordo com Levenson, esperanças
e desejos há muito estabelecidos na Escritura – símbolos e imagens míticas como
os rios vivificantes e a árvore da vida do Éden – convergem e alimentam a fé na
ressurreição. Sua obra[3] não
convenceu todos os biblistas, mas tem um argumento de peso. Muito diferente de
impor uma leitura teológica “de fora”, Levenson demonstra como ideais e anseios
“de dentro” das Escrituras de Israel cresceram e se desenvolveram resultando
numa fé clara na ressurreição.
Stephen
L. Cook é professor de Língua e Literatura do Antigo Testamento em Virginia
Theological Seminary. É autor de diversos livros como Reading
Deuteronomy: A Literary and Theological Commentary (Smyth & Helwys, 2015); Conversations with Scripture: 2 Isaiah (Morehouse,
2008); e The Apocalyptic Literature
(Abingdon, 2003).
Texto original: Stephen L. Cook, "Rise of Belief in
Resurrection within Biblical Religion" http://www.bibleodyssey.com/people/related-articles/rise-of-belief-in-resurrection-within-biblical-religion
Tradução: Caio Peres
[1] Q
é uma referência a uma fonte textual hipotética para explicar dizeres de Jesus coincidentes
em Lucas e Mateus (nota do tradutor).
[2] A
referência de capítulos e versículos de Q provém de Lucas, ou seja, Q 13.28-30
= Lucas 13.28-30 (nota do tradutor).
[3]
Levenson é autor de algumas obras que lidam com a questão da ressurreição,
entre elas Resurrection and the Restoration of Israel (nota do
tradutor).