quarta-feira, 6 de abril de 2016

Arrebatamento, encontro e a escatologia de 1Tessalonicenses 4.13-18 por Paulo Won



A relação da linguagem de arrebatamento e encontro, em 1Ts 4.13-18, deve ser entendida a partir da logística da vinda (παρουσία, parousia) de Cristo. Primeiramente, arrebatar (ἁρπάζω, harpazō) e encontro (ἀπάντησις, apantēsis) tem em comum o fato de serem ações de iniciativa divina. A forma passiva ἁρπαγησόμεθα (harpazómetha, arrebatados) indica que Deus é o sujeito da ação – isto é, assim como Deus ressuscitará “aqueles que dormem” (cf. ἄξει, ácsei, em 4.14 e ἀναστήσονται, anastêsontai, em 4.16), ele “raptará” os crentes vivos.[1] Assim, Deus ressuscitará os mortos por meio de (διά, diá) Jesus,[2] e arrebatará os crentes vivos, a fim de que ambos os grupos participem no encontro com o Senhor (κυριός, kyrios), nos ares (4.17). Todas as ações que compõem a parousia em 1Ts 4.13-18 tem Deus ou Cristo como agentes primários – i.e., os crentes têm uma participação passiva na parousia de Cristo.[3]

Em segundo lugar, a resposta de Paulo aos tessalonicenses sobre o destino dos crentes que se encontram mortos na ocasião da parousia de Cristo dá um sentido sequencial entre o arrebatamento e o encontro. Paulo, pedagogicamente, divide a parousia em dois sub-eventos: 1) a ressurreição dos crentes que haviam morrido em Cristo (οἱ νεκροὶ ἐν Χριστῷ ἀναστήσονται, hoi nekrói en Christô anastêsontai, 4.16); e 2) o posterior (ἔπειτα, épeita) arrebatamento “daqueles que estiverem vivos, dos remanescentes” (οἱ ζῶντες οἱ περιλειπόμενοι, hoi zôntes, hoi perileipómenoi, 4.17). Assim, o arrebatamento dos vivos é a ação correspondente à ressurreição dos mortos que serão ressuscitados por Deus, de acordo com a “fórmula credal” de 4.14.[4] Toda a passagem de 1Ts 4.13-18 mostra um movimento simultâneo:[5] Cristo desce do céu, e os crentes mortos e vivos sobem até as nuvens “ao encontro do Senhor nos ares” (εἰς ἀπάντησιν τοῦ κυρίου εἰς ἀέρα, eis apántēsin tou kyriou eis aéra, 4.17). Portanto, observa-se a sequência cronológica: arrebatamento (ressurreição) encontro.

Em terceiro lugar, o local da parousia é um elemento essencial para compreender a relação entre arrebatamento e encontro. Candida Moss e Joel Baden consideram a imagem de “nuvens” (ἐν νεφέλαις, en nefálais) como um elemento da apocalíptica judaica nesta passagem, já que em Daniel 7.13 “as nuvens servem como meio de transporte e não como destino final para os ressuscitados”.[6] De forma semelhante, Gordon Fee relaciona a vinda do Senhor e as nuvens (4.16) à figura do filho do homem vindo com as “nuvens dos céus” (καὶ ἰδοὺ ἐπὶ τῶν νεφελῶν τοῦ οὐρανοῦ ὡς υἱὸς ἀνθρώπου ἤρχετο, kái idou epí tôn nefalôn toú ouranou hôs huiós anthôpou êrcheto, Dn 7.13, LXX[7]).[8] Além disso, no Novo Testamento, a vinda de Jesus está relacionada com as nuvens (cf. Marcos 13.26; Lucas 21.27 e Atos 1.9-11). Contudo, o uso que Paulo faz dessa expressão em 1Ts 4.13-18 é sui generis, uma vez que as “nuvens” estão relacionadas com os crentes arrebatados, e não com Deus ou Cristo. Além do mais, Paulo afirma que o lugar do encontro é nos ares (4.17). Fee, afirma que o ar é “a atmosfera imediatamente acima da superfície da terra” – i.e. o lugar entre as esferas celestial e terrena.[9] Essa região intermediária é o local do encontro dos crentes com Cristo. É nos ares em que todas as ações da parousia de Cristo alcançarão seu clímax.[10] Portanto, na lógica escatológica de Paulo nessa passagem, a terra não é lugar onde os cristãos deveriam esperar nem o arrebatamento, nem o “encontro” com o Senhor.
 
Em último lugar, o objetivo da parousia conecta o arrebatamento dos crentes ao encontro com Cristo.[11] A pergunta crucial é: qual o propósito fundamental da sequência arrebatamento (ressurreição) encontro? A segunda parte de 1Ts 4.17 responde a essa pergunta, revelando o clímax da parousia: “e assim estaremos para sempre com o Senhor” (καὶ οὕτως πάντοτε σὺν κυρίῳ ἐσόμεθα, kaí houtōs pántote syn kipíō esómetha). Béda Rigaux explica que “estar com Cristo ainda é o ideal da religião paulina”.[12] John Barclay resume bem: “a esperança de todos os crentes, vivos ou mortos na ocasião da parousia, deveria ser que continuarão suas vidas com Cristo (4:17; 5:10).”[13] Dessa forma, a consequência fundamental da parousia é que os crentes estarão na presença de Cristo, desfrutando de um relacionamento pleno com ele, para sempre.

Concluindo, a relação entre arrebatar e o encontro no contexto escatológico de 1Tessalonisenses 4.13-18, é expressa numa lógica de causa e efeito – i.e., o propósito do arrebatamento é o encontro com o Senhor. Portanto, Paulo estabelece a seguinte sequência escatológica: os crentes mortos serão ressuscitados e reunidos, nas nuvens, aos irmãos e irmãs vivos, que foram arrebatados por Deus, para se encontrar com o Senhor nos ares, a fim de que possam estar com ele para sempre.


Paulo Won é formado em Relações Internacionais pela PUC-SP e obteve seu M.Div. pelo Seminário Servo de Cristo. Atualmente é mestrando em teologia, com ênfase em estudos bíblicos, na Universidade de Edimburgo. Tem pretensões de fazer Ph.D. em Novo Testamento

Tradução: Caio Peres



[1] P. Ellingworth, “Up or Down, Which Way Will We Go? Looking again at 1Thessalonians 4.13–18,” The Bible Translator 64 (2013), 229.
[2] Os estudiosos tem debatido sobre a tradução de διά em 1Ts 4.14. A maioria segue a tradução “por meio de Jesus” (ver Gordon Fee, The First and Second Letters to the Thessalonians, New International Commentary on the New Testament 12 [Grand Rapids: Eerdmans, 2009], 170-1).
[3] Παρουσία em 1Ts é sempre relacionada com κύριος (2.19; 3.13; 4.15; 5.23) (ver Bem Witherington, 1 and 2 Thessalonians: A Socio-Rhetorical Commentary [Grand Rapids: Eerdmans, 2006], 143).
[4] R. F. Collins, Studies on the First Letter to the Thessalonians, Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium LXVI (Leuven: Leuven University Press, 1984), 341–343.
[5] O uso do advérbio ἅμα, seguido por um substantivo no dativo, indica simultaneidade de ação, tempo e lugar (ver BDB §194.3 e BDAG, 49).
[6] C. R. Moss e J. S. Baden, “1 Thessalonians 4.13–18 in Rabbinic Perspective,” NTS 58 (2012), 203.
[7] Referência à Septuaginta, tradução grega do Antigo Testamento (nota do tradutor).
[8] Gordon Fee, The First and Second Thessalonians, 180.
[9] Gordon Fee, The First and Second Thessalonians, 181.
[10] D. Luckensmeyer, The Eschatology of First Thessalonians (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2009), 268.
[11] H. Koester, “Imperial Ideology and Paul’s Eschatology in 1 Thessalonians,” in Paul and Empire: Religion and Power in Roman Imperial Society, ed. R. A. Horsley (Harrisburg: Trinity Press, 1997), 160-1.
[12] B. Rigaux, Saint Paul: Les Épîtres aux Thessaloniciens, ÉBib (Paris: Gabalda, 1956), 549.
[13] J. M. G. Barclay, “Death and Early Christian Identity,” in Not in the Word Alone: The First Epistle to the Thessalonians, ed. M. D. Hooker, BES 15 (Rome: Benedictina Publishing, 2003), 151.