quarta-feira, 18 de maio de 2016

Conflitos Familiares e a Preservação do Cosmo - Agar, Sara e Abraão



Há uma diferença bem marcada entre Gênesis 1-11 e os capítulos seguintes. Enquanto Gênesis 1-11 é caracterizado por narrativas que têm todo o cosmo como contexto, a partir do capítulo 12 vemos narrativas do cotidiano de uma família qualquer, tendo que lidar com suas dificuldades de relacionamento e sobrevivência em seu contexto local. Mesmo assim, o contexto cósmico nunca é perdido. O texto bíblico marca esse contexto, mesmo para essa família comum, ao estabelecer uma relação entre a aliança divina com a família de Noé e a aliança divina com a família de Abraão[1].

         As duas alianças divinas, tanto com a família de Noé quanto com a família de Abraão, acontecem num contexto em que Deus está lidando com a violência humana. A violência humana pré-diluviana é descrita em Gênesis 6.11, 13. É a essa violência que Deus responde com o dilúvio, que é uma “des-criação”[2] de todo o cosmo. Já a violência pós-diluviana é descrita na narrativa da Torre de Babel (Gn 11).[3] Deus responde a essa violência com a desintegração dessa “instituição” humana (Gn 11.-7-8). Além disso, as duas alianças são chamadas de “aliança eterna” (Gn 9.16; 17.7: berît ‘ôlām) e ambas acontecem num contexto de adoração. No caso da aliança noética, a aliança vem depois do sacrifício que Noé oferece a Deus (Gn 8.20), enquanto no caso da aliança abraâmica, a aliança é uma mistura entre promessas divinas, orações e sacrifícios de Abraão (Gn 15). Por fim, as duas alianças recebem um “sinal” (heb. ’ôt) de confirmação. No caso de Noé, o arco-íris (Gn 9.12-13) e no caso de Abraão a circuncisão (Gn 17.11). Outra relação interessante entre as duas alianças aparece em uma diferença significativa entre elas.  A aliança divina com a família de Noé estabelece um compromisso, da parte de Deus, de não mais amaldiçoar a terra e matar todos os seres vivos por meio de um dilúvio (Gn 8.21; 9.11). Enquanto isso, a aliança divina com a família de Abraão estabelece uma promessa, da parte de Deus, de abençoar a Abraão e, por meio dele, todas as famílias da terra (Gênesis 12.1-3).

         A partir dessas informações, surgem elementos importantes sobre a aliança que Deus faz com a família de Abraão. Primeiro, a aliança abraâmica tem tanto a ver com a restauração do cosmo quanto a aliança noética.[4] Segundo, a aliança abraâmica é resposta divina para seu compromisso de não amaldiçoar mais a terra.[5] E, terceiro, a promessa da aliança abraâmica acontece no desenrolar da história familiar de Abraão.[6] Quero propor, então, um estudo dessa dinâmica familiar que, por fim, contribuirá para a preservação do cosmo e da vida. Neste post veremos a dinâmica entre Abraão, Sara e Agar, em Gênesis 16, como exemplo. No próximo post, veremos a dinâmica entre José, seus irmãos e Jacó, em Gênesis 37-50.

         A dinâmica familiar entre Abraão, Sara e Agar é mais bem descrita como um conflito. Abraão e Sara, como é bem conhecido, não tinham filhos e já estavam em idade avançada. Por isso, Sara, a fim de redimir[7] sua situação de esterilidade (Gn 11.30), sugere que sua serva (heb. shipeḥâ), Agar, lhe dê um filho com Abraão (Gn 16.1-3). Para isso, porém, foi necessário que Sara desse a Agar, sua serva, status de “mulher” (heb. ’ishshâ) de Abraão (Gn 16.3). Então Agar engravida de Abraão, e a partir daí surge um conflito entre Agar e Sara, e entre Abraão e Sara. Ao ficar grávida, Agar menospreza Sara (Gn 16.4: wattêqal gebirtāh be‘ênehā; literalmente, “e diminuiu sua senhora [Sara] em seu olhar”). Sara, por sua vez, coloca a violência (heb. ḥāmās)[8] que estava sofrendo sobre Abraão, e espera que YHWH faça justiça (heb. shapaṭ) neste conflito, que agora, é entre Sara e Abraão (Gn 16.5). Abraão, por sua vez, coloca sobre Sara a responsabilidade de agir (enquanto o problema começa por Sara ter colocado sua serva “nos braços de Abraão”, Gn 16.5b, Abraão “devolve” a serva a Sara, colocando-a em “suas mãos”, Gn 16.6a). Como Sara havia sido “diminuída” aos olhos de Agar, o que Sara achou bom “aos seus olhos” (heb. be‘ênāyiḵ) foi “oprimi-la” (Gn 16.6c: te‘annehā, literalmente, “abaixá-la”, “curvá-la”). Agar foge (heb. bāraḥ), e é ordenada pelo anjo de YHWH a voltar e se “curvar” debaixo das mãos dela [de Sara] (Gn 16.9: wehiṭ‘annî taḥat yādehā). Esse ato de humilhação não é sem propósitos. O anjo de YHWH faz promessas quanto à descendência de Agar, pois YHWH ouviu “sua aflição” (Gn 16.11: ‘ānek). A narrativa termina com a afirmação de que Agar deu um filho a Abraão, o qual deu a ele o nome de Ismael (Gn 16.15). 

É difícil imaginar como essa família conflituosa pode ser a resposta de Deus para um cosmo que, da mesma forma, é susceptível ao conflito, à violência e à destruição. No entanto, parece que é exatamente essa característica conflituosa que dá a essa família a possibilidade de ser a resposta de Deus, pois a resposta de Deus está no aprendizado de como lidar com os conflitos e é a partir do aprendizado em família que os conflitos cósmicos, envolvendo questões políticas, econômicas, ambientais e tudo o mais, encontrarão sua resposta. Apesar de a narrativa não apresentar uma conclusão objetiva do conflito, algo que nos dê a possibilidade de dizer, “é este o aprendizado que trará uma resolução ao conflito familiar e ao conflito cósmico”, ainda assim o texto nos dá direcionamentos fundamentais.

Há um fator importante na identidade de Agar: ela é egípcia. A narrativa enfatiza sua etnia ao chamá-la de “a egípcia” (heb. hammitsrît), em Gn 16.3.[9] Essa identificação conecta a narrativa de Gênesis 16 com Gênesis 15.18b-21, em que “Egito” (heb. mitsrayim) encabeça uma lista de locais/ etnias que Deus dá como posse à descendência de Abraão. Certamente, então, Gênesis 16 mostra de que forma “todas as famílias da terra serão abençoadas” por meio da família de Abraão (Gn 12.3). E nada mais relevante do que começar com o Egito, com quem a família de Abraão enfrentará um grande conflito posteriormente.[10] Agar foge de uma situação que colocava sua vida em risco,[11] mas o anjo de YHWH dá a ela a ordem de voltar (heb. shûbî) para essa situação arriscada. Em vez de morrer sob a mão de Sara, ao voltar, Agar acaba participando da bênção de Deus, por meio da família de Abraão. O texto deixa isso claro ao afirmar que seu filho, Ismael, é filho de Abraão,[12] e ao dar a ela promessas semelhantes às dadas aos patriarcas (Abraão, Gn 12.2; Isaque, Gn 26.4; Jacó, Gn 28.3, 4) – a única mulher em Gênesis honrada dessa forma.[13] Sua bênção, porém, não diz respeito somente à prosperidade de sua descendência, mas à participação da aliança, dado o fato de ter sido visitada por YHWH, como aconteceu com Abraão (especialmente Gn 18.1-16) e Jacó (especialmente 32.22-32). Por fim, a relação especial entre Agar e YHWH é estabelecida pelo verbo “encontrar” (Gn 16.7: mātsā’). Quando o verbo tem Deus como sujeito, não se trata de um mero “encontro”, mas de uma “eleição”.[14] A representante do Egito, Agar, no fim, é abençoada e entra num tipo especial de relacionamento com Deus.

A grande questão é como isso acontece. A resposta está no uso das palavras a partir da raiz hebraica ‘nh.[15] A raiz é usada em Gênesis 16.6 para falar como Sara tratou Agar (“maltratou”), em Gênesis 16.9 como comportamento que o anjo de YHWH ordena a Agar (“humilhação”), e em Gênesis 16.11 para falar sobre como YHWH vê a condição de Agar (“aflição”). Tendo passado de “serva de Sara” para “mulher de Abraão” (Gn 16.3), Agar viu na gravidez uma possibilidade de ganhar um status mais elevado do que o status de Sara na família de Abraão. Todo o conflito revolve em disputas de status. A narrativa mostra, porém, que o caminho para se ganhar status na família da aliança é por meio da humilhação e não da exaltação. A humilhação é o caminho de participação da aliança e de sua bênção. No entanto, quando o anjo de YHWH reconhece a situação de Agar como “aflição”, “miséria”, há um indício de que sua ordem para que Agar se “humilhe” “sob as mãos de Sara” (Gn 16.9) não a levará à morte, como Sara intentava, mas sim à vida, como Deus intenta. Sim, trata-se de uma linha tênue, mas é por isso que a obediência de Agar em voltar exigiu um nível de confiança (fé) comparável à apresentada por figuras importantes da história de Israel, como Abraão e Moisés. Parece ter sido necessário que Agar tivesse uma experiência de “servidão”, “opressão” e “exílio”[16] para aprender essa lição. Agar volta, confiando que o SENHOR que ouviu sua “aflição” (Gn 16.11) usará sua humilhação como meio pelo qual desfrutará da bênção e terá a vida de Ismael, assim como de sua enorme descendência, preservada.

Agar, portanto, se torna modelo a ser seguido por todos os que desejam entrar na aliança divina com a família de Abraão, e essa aliança não se dá num vácuo “espiritual” e sim no aprendizado de humilhação em meio aos conflitos humanos. É importante destacar que no primeiro episódio em que a narrativa bíblica aponta para um modelo de como lidar com o conflito, foi Agar, não Abraão e Sara, a pessoa que caracterizou o modo de estar em aliança com Deus, justamente a personagem mais vulnerável dentro dessa espiral negativa de violência. Portanto, Agar se torna modelo a ser seguido pelo próprio Abraão e Sara. Ambos precisam aprender, também, que na família da aliança não há lugar para a afirmação de status, e que a família da aliança é lugar de acolhimento dos “de fora”. No fim da narrativa, Sara não consegue redimir sua esterilidade e, assim, preservar seu status de progenitora, por meio de Agar. Pelo contrário, o filho de Agar não é considerado filho de Sara, como ela queria (Gn 16.2). Da mesma forma, a narrativa aponta para a necessidade de Abraão abrir mão de seu status de progenitor, para dar prioridade a sua responsabilidade de marido e cuidador de Sara.[17] Esse é o tipo de aprendizado que Abraão e sua família precisam para que a aliança divina com seus descendentes seja preservada e alcance o seu cumprimento.[18] Em Gênesis 18, o cumprimento da promessa da aliança depende que Abraão ensine aos seus descendentes a se manterem no “caminho de YHWH”, “ao praticar justiça e retidão” (Gn 18.19: la‘ăsôt tsedāqâ ûmishpāṭ). “Caminhar com YHWH”, ou seja, estar em aliança com YHWH, significa praticar “justiça e retidão”. Parece, portanto, que parte fundamental do que significa “justiça e retidão”, em relacionamento com YHWH, é encontrar um meio de sua bênção alcançar pessoas oprimidas, preservando a vida de muitos (Ismael e toda sua descendência), até o ponto de se colocar em posição de humilhação.[19] Essa é a justiça e retidão que trarão resolução para os conflitos familiares e os conflitos cósmicos.

 Outra narrativa deixará isso ainda mais claro e não será mais uma serva estrangeira que precisará sofrer opressão e humilhação a fim de aprender o caminho da bênção de todas as famílias da terra. O aprendiz será um descendente de Abraão, o filho preferido de “Israel” (i. e., Jacó), José.


[1] Por conveniência, usarei os nomes Abraão e Sara, mesmo para situações anteriores à mudança de seus nomes, quando ainda se chamavam Abrão e Sarai.
[2] Para a qualificação de “des-criação” do dilúvio, ver Joseph Blenkinsopp, Creation, Um-Creation, Re-Creation: A Discursive Commentary on Genesis 1-11 (Londres: T&T Clark, 2011), especialmente pp. 131-154.
[3] Apesar de o texto bíblico não descrever explicitamente a Torre de Babel como projeto de violência, existem vários elementos que apontam para essa direção. Dois exemplos são: o fundador de Babel foi Ninrode (Gn 10.8-10), um homem “poderoso” (heb. gibbōr) e um “poderoso caçador” (heb. gibbōr-tsayid), as duas qualificações, neste contexto, apontam para o uso da força e da violência; e a torre é feita com “tijolos” (heb. lebēnâ), o mesmo material usado pelos escravos hebreus no Egito (Êx 1.14). Para uma boa avaliação do contexto de violência institucionalizada em Gênesis 11, ver Kathleen M. O’Connor, “Let All Peoples Praise You: Biblical Studies and a Hermeneutics of Hunger”, in By Bread Alone: The Bible Through the Eyes of the Hungry, (eds.) Sheila E. McGinn, Lai Ling Elizabeth Ngan, Ahida Calderón Pilarski, (Minneapolis: Fortress Press, 2014).
[4] Na verdade, todas as alianças que aparecem no relato bíblico têm esse caráter cósmico. Margaret Barker, The Gate of Heaven: The History and Symbolism of the Temple in Jerusalem (Sheffield: Sheffield Phoenix Press, 2008), diz que a aliança noética, a aliança abraâmica, a aliança mosaica (sinaítica) e a aliança davídica são exemplos individuais da “Aliança Cósmica”, p. 78. Eu diria que todas elas apontam para o objetivo divino da preservação do cosmo e da vida e que as alianças posteriores não podem ser desvinculadas das anteriores. Assim, a aliança davídica, que diz respeito à instituição monárquica, tem a sua qualificação anterior na aliança abraâmica, que diz respeito à instituição de uma família/ povo, e na aliança mosaica, que diz respeito à instituição de uma lei.
[5] Richard Bauckham, Bible and Mission: Christian Witness in a PostModern World (Grand Rapids: Baker, 2003), afirma: “A bênção abraâmica é mais do que a bênção da criação, pois tem o objetivo de enfrentar e superar o seu oposto: a maldição de Deus”, p. 35.
[6] Cf. Samuel H. Balentine, The Torah’s Vision of Worship (Minneapolis: Fortress, 1999), p. 103.
[7] A fala de Sara em Gn 16.2b, literalmente, é: “pode ser que eu construa por meio dela…” (geralmente as versões modernas traduzem como “pode ser que eu venha a ter filhos por meio dela”). O verbo “construir” (heb. bānâ) aponta para o objetivo de Sara: ser aquela que dará descendência a Abraão. Ver Bruce K. Waltke (et. al.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1998), pp. 193-6.
[8] O mesmo termo que caracteriza as condições da humanidade que levaram ao dilúvio (Gn 6.11, 13). Ver Gordon J. Wenham, Genesis 16–50 (Dallas: Word, Incorporated, 1998), p. 8.
[9] Diferente da menção no v. 1, “a egípcia”, no v. 3, não é um adjetivo de “serva” (“uma serva egípcia”). Ver John H. Sailhamer, “Genesis”, in The Expositor’s Bible Commentary, vol. 2 (Grand Rapids: Zondervan, 1990), p. 133.

[10] Obviamente me refiro ao longo período de escravidão no Egito, história relatada no livro de Êxodo.
[11] É bem frequente o uso do termo “fugir” para pessoas que estão escapando de situações em que alguém está tentando mata-las (Gn 27.43; 35.1; Êx 2.15; 1Sm 19.12,18). Ver Gordon J. Wenham, Genesis 16–50, p. 9.
[12] O texto enfatiza isso ao narrar que quem deu o nome Ismael ao menino foi Abraão e não Agar (Gn 16.15. Ver Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17 (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 458.
[13] Cf. Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17, p. 452-3.
[14] Por exemplo, em Deuteronômio 32.10, em que Deus “encontra” Israel “numa terra deserta”, assim como no caso de Agar, Moisés (Êx 3.1) e Elias (1Rs 19.4). Cf. Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17, p. 451, 453.
[15] De onde vem o verbo ‘ānâ (humilhar, oprimir, afligir) e o substantivo ‘ānî (pobre, aflito). Ver Bruce K. Waltke (et. al.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, pp. 1143-6.
[16] Seria possível desenvolver essa ideia melhor. Primeiro, a experiência de Agar reflete, claramente, a experiência dos hebreus no Egito. A “opressão” de Sara para com Agar é igual a dos israelitas sob os egípcios em Êxodo 1.11 (heb. ‘anh). YHWH ouve a “aflição” de Agar (Gn 16.11), como ele vê a “aflição” dos israelitas no Egito em Êxodo 3.7 (heb. ‘ŏnî), e Agar “foge” da presença de Sara como os israelitas “fogem” do Egito em Êxodo 14.5 (heb. bāraḥ).  Por implicação, Agar também está no deserto sem saber para onde ir, vagando como os israelitas. Ver Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17, pp. 448, 452. Segundo, a experiência de Agar pode refletir toda a história de Israel que inclui a experiência do exílio, pois o exílio é parte fundamental da construção teológica que Israel faz de sua história, sendo este o momento de “aprendizado” sobre o que significa estar em aliança com Deus e o qual o comportamento que Deus espera de Israel.

[17] Certamente, em seu contexto, gerar filhos era mais importante do que a responsabilidade diante da esposa, daí o próprio fato de ter recebido Agar como “mulher”, além de Sara.
[18] Infelizmente esse aprendizado não se dá do dia para a noite para esses personagens. Os conflitos dessa família, assim como o seu aprendizado de “justiça e retidão” continuarão. Um episódio trágico, em que Agar e Ismael são expulsos da família, acontecerá em Gênesis 21. Assim, também, há conflitos familiares entre Jacó e Esaú (Gn 27-28; 32-33). Assim como no caso do dilúvio e da aliança com a família de Noé, a tendência do conflito não é solucionada de uma vez por todas, mas segue o caminho do aprendizado contínuo. De fato, parece que essas narrativas patriarcais apontam exatamente para isso como reflexo da história do povo de Israel.

[19] Cyrill Rodd, em Glimpses of a Strange Land: Studies in Old Testament Ethics (Londres: T&T Clark, 2001), p. 54, afirma que em Gênesis 18, na famosa intercessão/ barganha por Sodoma e Gomorra, Abraão está contrapondo a justiça de Deus com o seu próprio padrão de justiça. A partir disso, o autor discute o fundamento “natural” de justiça nos escritos sapienciais do Antigo Testamento. Apesar de concordar com muito do que ele fala sobre esse fundamento “natural” da justiça, eu tenho questionamentos a partir dessa narrativa de Gênesis 16-18. O que é “justo e reto”, em diversas situações, não parece tão óbvio, tão “natural”. Em grande medida porque na história humana, como no caso do conflito entre Agar, Sara e Abraão, todos somos, de uma forma ou de outra, culpados e vítimas ao mesmo tempo. Além disso, a necessidade de “humilhação” diante de conflitos carrega um caráter subversivo que não pode ser derivado de uma “sabedoria natural”.