terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Obadias - Profecia e Literatura (part. 2) por Caio Peres


A resposta para a pergunta feita no fim do último post é negativa. É claro que essas profecias político-militares cumprem outra função em seu contexto literário maior.[1] No caso de Obadias, esse contexto literário maior é o Livro dos Doze.[2] Quando lemos cada livro dos profetas menores em relação aos outros livros, alguns dos aspectos mais específicos acabam tomando um sentido mais abrangente, mais generalizado. Parece que o interesse dos responsáveis por preservar a literatura profética não estava na mensagem dos profetas neste ou naquele período, mas na relação desses profetas e suas mensagens, a fim transmitir um sentido para as ações de Yahweh na história mais ampla.[3] Quando se lê, por exemplo, o primeiro Livro dos Doze como uma introdução aos Doze, a especificidade do problema apresentado em Oseias, isto é, a ruptura no relacionamento entre Yahweh e Israel, e o chamado do livro, isto é, a reconciliação entre Yahweh e Israel, se torna um tema abrangente pelo qual se entende todos os outros livros,[4] portanto, acaba incluindo também a relação de Yahweh com todas as nações, já que esse é o tema dos próximos livros (Joel, Amós – ainda que seja o tema somente do primeiro capítulo – Obadias, Jonas e Naum).[5]
 
            Nessa visão mais ampla e abrangente, o que acontece é que o julgamento de Deus, sobre esta ou aquela nação, se torna um tema programático nos Doze para falar sobre o julgamento de Deus sobre todos os que se opõe a ele.[6] Isso fica evidente em Joel, que se recusa a especificar quem é o “inimigo”. Dessa forma, Joel se torna, assim como Oseias, uma introdução sobre o tema do “dia de Yahweh” contra qualquer “inimigo”.[7] No caso de Obadias, especificamente, o julgamento de Edom é representativo do julgamento de todas as nações,[8] ou, mais abrangente ainda, todo o mundo pagão.[9] Um indício de que Obadias pode e deve ser lido dessa maneira é a falta de referência cronológica no livro, assim como no caso de Joel. Os dois livros sem data emolduram um livro datado, Amós.[10] Visto em relação com Amós, Obadias serve como um tipo de comentário sobre Amós 9.12,[11] em que Edom é mencionado dentro de um contexto muito interessante. O fim de Amós fala que os pecadores de Israel morrerão (9.10), o reino será restaurado (9.11), “para que tomem posse”[12] do “restante” de Edom e de todas as nações que “chamam pelo meu nome” (9.12). Diferente de Obadias, Amós não está carregado de tom vingativo e militar. Na verdade, está falando sobre a preservação de um ambiente seguro e próspero para um povo restaurado (9.13-15).  Além disso, incluir Edom e outras nações como quem é “chamado pelo nome do SENHOR”, é um detalhe importante como veremos logo. O que se percebe, neste contexto, é que a questão de Edom tem a ver com algo muito maior e mais importante do que se olhássemos para Obadias de forma isolada.[13]

            Uma pergunta importante que é feita e respondida no Livro dos Doze é quem será salvo no Dia do SENHOR. Joel, que é o profeta que faz essa pergunta de forma explícita (2.32), também dá uma resposta explícita. Será salvo todo aquele que “chama pelo nome do SENHOR” (2.32). É interessante que o Livro dos Doze dá indícios do que isso significa. O próprio Joel convoca um jejum de arrependimento e humilhação (2.13-14) e que se faça um clamor (2.14), que será invocado assim: “Ó SENHOR poupa o teu povo” (2.17). Mas é Jonas quem torna esse chamado de Joel numa descrição do que Nínive fez de fato.[14] Em Jonas, toda a cidade de Nínive faz um jejum de humilhação e arrependimento como decreto do rei (Jonas 3.5-8). 

            Tal comportamento expressa um tipo de reconhecimento de que o julgamento é justo, mas apela para que Deus utilize de sua misericórdia a fim de alcançar a justiça que deseja. O termo misericórdia é apropriado, pois mesmo depois de humilhação e arrependimento, o que garante a justiça divina é a misericórdia de Deus. Por isso, por exemplo, Joel e Jonas utilizam a expressão “quem sabe Deus mude de ideia” (Joel 2.14 e Jonas 3.9).[15] Por mais que essa mudança de ideia da parte de Deus aconteça e ele não envie mais sua ira (cf. Jonas 3.9), mesmo como resposta ao arrependimento das pessoas,[16] o fundamento para que a ira não seja derramada e todos morram é a misericórdia e compaixão do SENHOR, que é paciente e cheio de amor, e arrepende-se do mal que planejava enviar (Joel 2.13; Jonas 4.2).

            Uma tensão que existe no Livro dos Doze é se isso vale somente para o povo de Deus, Israel/ Judá, ou também para as outras nações. Em alguns momentos, parece que os profetas somente clamam pela misericórdia de Deus para que Israel seja poupado,[17] mas quando se trata das outras nações o clamor é por “justiça”. Aí, mais uma vez entra a importância de Jonas e de Joel 2.32. O livro de Jonas deixa claro que a misericórdia de Deus vai ao encontro do arrependimento de qualquer um,[18] ainda que seja a nação mais ímpia. E Joel 2.32 diz que “todas as pessoas” que chamarem pelo nome do SENHOR podem ser salvas. Nessa questão é importante contrapor Jonas a Naum. Em Jonas, Nínive é poupada pela misericórdia de Deus, por causa de seu arrependimento. Em Naum, dois livros depois de Jonas, Nínive é ameaçada de destruição. Jonas é uma obra literária que apresenta uma possibilidade de arrependimento e salvação de Nínive, mas a Nínive real jamais demonstrou tal arrependimento. A salvação depende do arrependimento, daí a necessidade de Naum contrapor a mensagem esperançosa de Jonas com uma mensagem mais “realista”, pois apesar de Deus demorar para se irar (Na 1.3), ele não inocenta o culpado. E muitos em Nínive eram culpados, pois “quem não tem sofrido por causa da sua maldade?” (Na 3.19).[19] Assim, estamos chegando a um entendimento que diferencia inocentes e culpados por seu comportamento diante da “justiça” de Deus.

            Obadias é emoldurado por Joel e Amós, que o precedem, e Jonas, que o procede. Como vimos, Obadias torna Edom num representante de todas as nações. Essa generalização também acontece em Jonas, que pode estar querendo usar a Assíria/ Nínive como representante de todas as outras nações. Dessa forma, a extensão da misericórdia de Deus para “todas as nações” em Jonas, pode ser, também, estendida para “todas as nações” de Obadias.[20] Outra associação importante é sobre a expressão “quem chama pelo nome do SENHOR”. Como foi apresentado acima, a expressão aparece em Joel 2.32 fazendo uma referência à possibilidade de “todas as pessoas” serem salvas. Uma expressão semelhante aparece em Amós 9.12, que fala de “todas as nações chamadas pelo meu [do SENHOR] nome”. O contexto de Amós é justamente sobre o destino de Edom. A expressão se repete em Jonas 3.8, e é seguida pela expressão, “quem sabe Deus mude de ideia” (Jonas 3.9).[21] Diante dessas associações, pode ser que Obadias, entre Amós e Jonas, no fim, sirva para que façamos a pergunta: e se Edom se arrepender? E a resposta que recebemos seria: então pode ser que Deus mude de ideia, basta que “chamem pelo nome do SENHOR” (Joel 2.32). Mais importante ainda é que Amós afirma que um dia Edom e todas as nações “serão chamadas pelo nome do SENHOR”.[22] Como o contexto de Amós é de um futuro mais abrangente, parece que este é o futuro de Edom, e não aquele visado por Obadias.

            É interessante que tudo isso pode acontecer, ainda que as profecias de destruição e julgamento já tenham sido anunciadas. Mesmo depois das ameaças de Joel 1 e 2, existe o chamado: “Mesmo agora, convertam-se…” (2.12). Mesmo depois da ameaça de julgamento, ainda há tempo.[23] As profecias de julgamento, portanto, como aprendemos muito bem em Jonas, têm um objetivo: não serem cumpridas. Nas palavras de Abraham Heschel, a proclamação da ira é um chamado para o cancelamento da ira.[24] Mesmo Obadias pode ser interpretado como uma proclamação da ira de Deus sobre Edom, a fim de que a ira de Deus sobre Edom seja cancelada. E, como aparece na mensagem de esperança escatológica de Amós 9, Edom será salva e fará parte de um povo restaurado que “chama pelo nome do SENHOR”.


[1] Marvin Sweeney, “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 56.

[2] Questiona-se essa opção interpretativa pelo fato de não depender da “intenção do autor”, tomando como um fato que o texto que temos em mãos tenha sido escrito pelo próprio profeta Obadias ou algo do tipo. Tal crítica não leva em consideração que o que temos diante de nós não é um profeta e sua fala, mas uma peça literária que preserva a mensagem do profeta dentro de um contexto literário maior.

[3] Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeneutics, p. 196.

[4] Idem.

[5] A versão grega do Antigo Testamento (LXX) traz a sequência, Joel, Obadias, Jonas e Naum, quatro livros cujo tema principal é as nações. Cf. Marvin Sweeney, “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 57.

[6] Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeneutics, p. 139.

[7] Marvin Sweeney, “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 58; Marvin Sweeney, Tanak, p. 343-4.

[8] Cf. Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture, p. 414; Gordon McConville, A Guide to the Prophets, p. 181.

[9] Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeneutics, p. 138.

[10] Cf. Rolf Rendtorff, “How to Read the Book of the Twelve as a Theological Unity”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 77.

[11] Leslie Allen, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah (NICOT), p. 129. 

[12] O original em hebraico não define quem é o sujeito do verbo “tomar posse”.

[13] Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeneutics, p. 138-9.

[14] Cf. Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeutics, p. 185.

[15] As expressões são levemente diferentes, mas são semelhantes o suficiente para que a associação seja feita. Cf. Rolf Rendtorff, “How to Read the Book of the Twelve as a Theological Unity”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 82.

[16] Que a mudança no comportamento de Deus é uma resposta à mudança do comportamento das pessoas fica claro pelo uso do verbo “voltar/ converter” (heb. shuv), em Joel 2.12 e 14. No v. 12, Deus pede para que o povo “se converta” (heb. shuv), a fim de que, no v. 14, Deus “volte atrás” (heb. shuv) e mude de ideia sobre o julgamento. 

[17] Por exemplo, Is 54.8 e mesmo o que é dito em Joel 2.12-17.

[18] Cf. Marvin Sweeney, Tanak, p. 355.

[19] Jonas termina com uma pergunta sobre a necessidade de Deus ter compaixão de muitos inocentes em Nínive, enquanto Naum termina com uma pergunta sobre muitas pessoas sofrerem por causa da maldade de muitos ninivitas. Cf. Christopher R. Seitz, Prophecy and Hermeutics, p. 148.

[20] Cf. Marvin Sweeney – “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 58.

[21] No hebraico a expressão não é idêntica nas três ocorrências. Joel 2.32 e Amós 9.12 são muito semelhantes, somente diferindo na conjugação do verbo “chamar” (heb. qara’), que em Joel está na forma do qal, e em Amós está na forma do nifal.

[22] Como os comentaristas não fazem essa associação, eles tendem a ver na expressão encontrada em Amós 9.12 uma afirmação de que um dia o SENHOR terá “domínio soberano” sobre Edom e as outras nações (p. ex. David A. Hubbard, Joel e Amós, Introdução e Comentário, p. 82 e Jörg Jeremias, The Book of Amos (OTL), p. 167. É importante notar que o contexto de Amós 9 é de uma promessa de restauração completa da criação e do “povo de Deus”. Diferente de Obadias, não há um contexto militar e de “controle” sobre porções de terra. Ainda que haja menção da “dinastia de Davi”, a ideia está mais para a ideia de um rei justo, que estabelecerá a justiça, cf. Salmos 72. 

[23] Cf. Rolf Rendtorff, “How to Read the Book of the Twelve as a Theological Unity”, in Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 78.

[24] Abraham Heschel, The Prophets, p. 367.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Obadias - Profecia e Literatura (part. 1) por Caio Peres


Os livros proféticos que aparecem no Antigo Testamento são o resultado de uma complexa produção literária, envolvendo tradições proféticas orais, textuais e edições posteriores. Por isso, sua leitura correta depende de uma análise histórica, até onde isso for possível, e análises literárias. No caso dos “grandes” livros proféticos, Isaías, Jeremias e Ezequiel, essa análise literária deve levar em consideração todo o corpo da obra, já no caso dos “pequenos” livros proféticos, a análise literária deve levar em consideração o corpo da obra literária ao qual pertencem, a saber, o Livro dos Doze.[1] Assim, esse pequeno estudo será dividido em dois posts: (1) a análise histórica e (2) a análise literária de Obadias.

            Nesta análise histórica, devemos começar apontando para questões de pano de fundo histórico que podem estar relacionadas com as evidências apresentadas pelo texto de Obadias. Os vv. 10-14 descrevem um pouco da atitude de Edom, introduzindo-as como “violência” (v. 10). O v. 11 diz que Edom agiu como se estivesse “do lado” dos inimigos de Judá. Isso por que Edom viu na calamidade da destruição de Judá uma oportunidade de se apoderar das posses dele (v. 13). Para piorar as coisas, Edom ainda aproveitou a oportunidade para matar e entregar fugitivos indefesos (v. 14). Obadias ainda diz que Edom se alegrou e brincou com toda essa desgraça que atingiu Judá. Apesar de existirem vários episódios de desavenças e disputas militares entre Israel/ Judá e Edom,[2] é muito provável que Obadias esteja apontando para a atitude de Edom no caso da destruição de Jerusalém pelos Babilônios, em 587 a.C.[3]

            Apesar de tal fato poder ser a explicação da origem das profecias que aparecem em Obadias, um fator curioso pode nos levar a outra direção. Muitos comentaristas indicam paralelos, em alguns casos uma relação exata, entre Obadias 1b-5 e Jeremias 49.9-16.[4] Só como exemplo, cito Obadias 1b: “foi enviado um mensageiro por entre as nações para dizer: 'Levantai-vos! Levantemos para lutar contra Edom!'”, com seu paralelo em Jeremias 49.14 (“Um embaixador é enviado por entre as nações para lhes dizer: Ajuntai-vos e vinde contra ela; levantai-vos para a guerra”).[5] É claro que não se trata de uma coincidência. Quando algo assim acontece, os estudiosos tentam verificar qual texto é prioritário e qual é secundário. O consenso dos estudiosos, porém, caminhou em outra direção. No material paralelo entre Jeremias e Obadias, não há menção da destruição de Judá e muito menos de Jerusalém. Assim, essa deve ser uma tradição mais antiga que ambos os profetas, proveniente do longo histórico de inimizade entre Edom e Israel/ Judá.[6] Assim, ambos os profetas fizeram uso de uma tradição mais antiga a qual eles tinham acesso.[7]

            É difícil ter certeza de que forma essa tradição foi preservada anteriormente aos livros de Jeremias e Obadias, mas há uma grande probabilidade de que se trate de uma tradição de profecia cúltica. Há diversas evidências históricas da relação entre profecia cúltica e ações militares. Um exemplo interessante aparece em Jeremias 28. O rei Zedequias está reunido com profetas, sacerdotes e outras pessoas, no templo de Jerusalém, onde o profeta Jeremias profetiza, tendo um jugo no pescoço para simbolizar o jugo da Babilônia sobre Judá. Então, o profeta Hananias quebra o jugo que Jeremias trazia no pescoço e profetiza que esse é o destino do jugo da Babilônia (Jr 28.1-11). Outro exemplo é 1Reis 22.10-11/ 2Crônicas 18.9-10, em que um profeta, dentre outros quatrocentos, diante do rei Acabe de Israel e do rei Josafá de Judá, profetiza o “aniquilamento” dos sírios num ato simbólico em que levava uns chifres de ferro na cabeça (possivelmente andando de lá para cá como um touro). Esses relatos narrativos são corroborados pelo que aparece em Salmos 60.9-9, um cântico a ser usado de forma cúltica, em que há profecias contra Moabe, Edom e Filístia, usando uma linguagem que remonta a atos proféticos simbólicos.[8]

            É importante que nos três casos citados, o contexto de profecia cúltica diz respeito a ações militares. No caso das narrativas, além do contexto militar, ainda há uma associação da profecia com as estratégias políticas dos reis. Portanto, tal tradição profética cúltica, historicamente, é um meio de levar adiante uma ideologia político-militar do Reino de Deus, que é igualado ao reino de Israel/ Judá. 

            A profecia de Obadias, analisada historicamente, está em conformidade com essa tradição político-militar. Obadias constrói sua profecia a partir de um núcleo mais antigo de oráculos de julgamento contra Edom. Obadias deixa bem claro o que ele entende ser o resultado “justo” da ira divina contra Edom: Judá terá o controle do território que antes pertencia a Edom (vv. 19-20). Nos vv. 17-20, o conceito de “tomar posse” e “desapossar” é usado sete vezes. Por fim, Obadias afirma que o reino será do SENHOR, quando Judá retomar o domínio sobre o território de Edom ou, poeticamente, quando o monte Sião governar a montanha de Esaú (v. 21).

            Com tais evidências, é difícil, a partir de uma análise histórica, desvincular Obadias de uma tradição profética que promovia ideias políticas e militares do reino de Israel/ Judá. Por isso o seu teor é carregado de conceitos vingativos, considerando a ação militar de Israel/ Judá contra Edom como ação de julgamento divino.[9] Tais evidências também colocam uma grande interrogação sobre essa tradição. Nos exemplos citados de Jeremias e 1Reis/ 2Crônicas, os profetas cúlticos, que agem em favor de uma agenda político-militar são considerados “falsos profetas”. Como, então, tal tradição acabou nos escritos canônicos da profecia “verdadeira” de Israel?[10] No caso de Obadias, como um “livro” inteiro moldado por essa “falsa profecia” encontrou espaço no Livro dos Doze? Mais importante ainda, será que tais profecias cumprem a mesma função na literatura profética canônica que tinham em seu contexto político-militar? Responderei a isso no próximo post.


[1] A ordem desses livros nas versões em português é a seguinte: Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
 
[2] A relação entre Israel e Edom é muito semelhante a uma disputa entre “irmãos”, em que não se sabe quem “começou a briga”. Nas narrativas patriarcais a causa das disputas é a artimanha de Jacó para receber a herança que pertencia a Esaú (Gn 27). Nas narrativas do êxodo, Edom impede que Israel chegue à terra prometida (Nm 20.14-21). Já na história dos reinos, Israel, sob a liderança de Davi, matou dezoito mil edomitas (2Sm 8.13) e tornou Edom um vassalo, até a sua revolta no reinado do rei Jeorão, quando Edom se tornou independente (2Rs 8.20-22).
 
[3] Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture, 412. Arqueologicamente, há evidências de que a destruição no sul de Judá foi muito maior do que no norte, e que depois da destruição de Judá, em 587 a.C., os territórios do sul, como o Neguebe e a Sefelá (regiões citadas em Obadias 19), foram povoados por edomitas. Ver Joseph Blenkinsopp, A History of Prophecy in Israel, p. 150; Donald E. Gowan, Theology of the Prophetic Books, p. 118; Jörg Jeremias, The Book of Amos (Old Testament Library), p. 30.


[4] Cf. Donald E. Gowan, Theology of the Prophetic Books, p. 119; Gordon McConville, A Guide to the Prophets (Exploring the Old Testament), p. 180.

[5] Utilizo a versão Almeida21 neste post.
 
[6] Amós 1.11 e Ezequiel 35.5 caracterizam essa inimizade como algo “guardado para sempre”. Sobre tal tradição ser anterior ao século VI a.C., ver Joseph Blenkinsopp, A History of Prophecy in Israel, p. 150.
 
[7] Hans Walter Wolff, “Obadja – ein Kultprophet als Interpret”, citado em Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture, 412.

[8] Cf. Donald E. Gowan, Theology of the Prophetic Books, p. 119.

[9] Perceba que o v. 15 diz que o “dia do SENHOR” está perto e a maldade de Edom contra Judá se voltará contra ele. Mas, no v. 18, esse efeito “boomerang” da maldade é efetuado pelas mãos e armas de Israel/ Judá. E o resultado de tal ação será o extermínio de Edom e não somente o julgamento dos culpados. Vale lembrar aqui que quando Obadias acusa Edom de “orgulho” e “sabedoria” (o v. 8 fala dos “sábios de Edom”; o v. 3 fala da “arrogância dos seus pensamentos”; o v. 12 fala de “insolência”), ele está usando conceitos do âmbito político na tradição profética (p. ex. Is 2.11-17; 14.11-23; Ez 27). Assim, não se trata de uma culpa de todo o povo de Edom, e sim de seus líderes, políticos e militares.
 
[10] Para um bom resumo da relação entre os profetas canônicos e as tradições da profecia cúltica, ver H. H. Rowley, “Ritual and the Hebrew Prophets”, 249-258,  em Myth, Ritual and Kingship (editado por S. H. Hooke). Rowley conclui que não é possível fazer divisões claras entre as classes de profetas e que os profetas canônicos, ocasionalmente, moldaram algumas de suas passagens conforme composições litúrgicas familiares. Rowley admite, apesar de relutantemente, que a literatura profética contém material cúltico. Esse material, como foi dito, aparece mais em contextos de oráculos de julgamento contra as nações e contra Israel/ Judá, como é o caso do “cântico da vinha” de Isaías 5, exatamente por seu caráter polítco-militar.