quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Hospitalidade no Novo Testamento por Carolyn Osiek



O ambiente em torno de Jerusalém é austero e implacável: ao oeste, montanhas rochosas com pouca água e, ao leste, um deserto inacessível, com temperaturas abrasadoras na maior parte do ano. Viajar poderia ser perigoso, por isso, a hospitalidade ao viajante era uma necessidade permanente e um esforço sagrado. O Novo Testamento está cheio de imagens e histórias de recepção de hóspedes, tanto de conhecidos amigos, como de estranhos, acolhidos e transformados em hóspedes. Entre tribos nômades, o hóspede está sob a proteção do anfitrião, aquele que garante segurança completa. Os elementos importantes da hospitalidade incluem a oportunidade de oferecer óleos aromatizantes para suavizar a pele e disfarçar os odores, lavagem dos pés sujos, comida, abrigo, segurança e companhia.

            Quando Jesus envia discípulos à missão, eles devem se hospedar nas casas em que são bem-vindos. A visão que Jesus tem de missão é impossível sem essa reciprocidade, a recepção daqueles que são enviados (Mt 10.11; Mc 6.10; Lc 9.4; Lc 10.7-8). Em caso de recusa da hospitalidade, os discípulos devem seguir adiante.

            As muitas histórias de banquetes nos Evangelhos pressupõem a prática da hospitalidade para eventos importantes e momentos de transição: por exemplo, o grande banquete (Mt 22.1-10; Lc 14.15-24) ou a celebração da volta do filho mais novo (Lc 15.22-32). Na perspectiva bíblica, esses banquetes abrem o horizonte em direção ao reino do céu. Como a felicidade plena é imaginada – como um banquete em que todos estão felizes e fartos (Lc 22.30), ou como a celebração de um casamento (Ap 19.9)?

            Jesus mesmo é o importante hóspede nos Evangelhos. Há um modo errado de recebê-lo, tipificado por Simão, o fariseu, que o trata com descuido, sem oferecer água para a lavagem de seus pés, nem óleo para ungi-lo ou um gesto de bem-vindo, enquanto a mulher “pecadora”, que entra sem ser convidada, o recebe corretamente (Lc 7.36-50). Marta e Maria não oferecem a recepção perfeita, já que nesse ambiente íntimo entre amigos, em que se deveria sentir o conforto familiar, Jesus é levado a um lar onde há, por baixo da superfície, uma tensão familiar.

            Posteriormente, Paulo e outros missionários itinerantes dependem da hospitalidade daqueles que os recebem, enquanto viajam de cidade em cidade. A Ceia do Senhor era celebrada, prioritariamente, ainda que não exclusivamente, em lares que se tornariam centros de hospitalidade e evangelização. Em Filipos, Lídia, uma comerciante de tecido de púrpura, é convencida pela pregação de Paulo e insiste que ele aceite a hospitalidade da sua casa, que se tornará um centro de fé (At 16.14-15, 40). Na miraculosa libertação noturna de Paulo e Silas da prisão em Filipos, o carcereiro, ele mesmo salvo do suicídio pela ação rápida de Paulo, responde levando-os a sua própria casa, onde ele e sua família prestam socorro médico e lhes dão alimento no meio da noite (At 16.29-34). Aqui, hospitalidade é a expressão de um desejo de consertar os danos do passado e dar continuidade ao relacionamento.

            Os ouvintes da Carta aos Hebreus são alertados sobre a importância da hospitalidade: alguns, dessa forma, acolherem anjos sem o saber (Hb 13.2; compare com Gn 18.1-15). Mas nem sempre as coisas dão certo. O autor de 3João 9 tem um problema de hospitalidade: a casa de Diótrefes não recebe os emissários enviados pelo autor – não sabemos o por quê.

            Até o fim da Bíblia a hospitalidade é um assunto importante: pede-se que Laodiceia, uma das sete cidades mencionadas em Apocalipse, receba o Jesus ressurreto como hóspede que vem para o jantar (Ap 3.20). Eles o receberiam? 


Carolyn Osiek é professora de Novo Testamento em Brite Divinity School. Autora e editora de doze livros e muitos artigos. Anteriormente, presidente da Society of Biblical Literature.

Texto original: "Hospitality in the New Testament": http://www.bibleodyssey.org/passages/related-articles/hospitality-in-the-new-testament.aspx

Tradução: Caio Peres

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